Ela pensava tanto que chegava a sentir no lábio, o formato da boca,
cada detalhe, do lábio, carnudo, hidratado, vermelho e saudável.
Cada ranhura do lábio, que a parte de cima é mais fina e tem um "M" bem preenchido, definido.
Até no cantinho da boca ela reparava, dentes enormes, brancos, bem retinhos, cada movimento lento ou rápido, quando ecoava cada palavra dita.
Principalmente, quando ria daquele jeito que ela nunca mais esqueceu, sim, porque ela viu bem de perto, quase que rindo junto, sabe boca quando pára de beijar, olha no olho e ri? Bem assim! E jamais pôde deixar observar aquele jeito ímpar de sorrir, que quando abre a boca e vai preparar para soltar aquela gargalhada, mostra a gengiva, quase ninguém repara nisso.
Mas ela, pelo contrário, sempre reparou e sempre foi o que mais chamou a atenção.
Tanto foi que quando chegou perto foi a primeira coisa que disse:
"Ei, ri daquele jeito!"
Sorriu igualzinho como ela imaginava, foi logo sorrindo e baixando a cabeça , com um sorriso meio tímido, meio sem-vergonha, meio que passando a língua da metade pro fim do lábio, aquele olho meio escondido pela franja, e querendo te dizer " não faz assim".
Não faz assim disse ela, não ri assim, não faça o que eu te peço, porque senão, eu não esqueço, nem um dia mais sequer, desse jeito só teu de sorrir.
Não faz isso com meu desejo disse, que se eu não fosse pra outra cidade amanhã de manhã eu ficava contigo!
E ela quase que se entregando, pensou logo em dizer, "me leva junto, deixa eu ir com você, sou pequena, quase nem ocupo espaço, fico alí quietinha, prometo não encomodar!"
Mas ela sabia que não podia ir, que não era a hora, que era hora de perceber que nada do que tinha planejado ía dar certo mesmo, o caminho era aquele alí a ser seguido, e ela que já tinha desistido de tudo, já tava pensando em casar e ter logo seus dois ou três filhos, sempre gostou de familia grande, pra reunir todo o time no churrasco de domingo.
Ela que deu o beijo de boa noite tão demorado que parecia que ía entrar boca à dentro, não queria esquecer de cada detalhe, de cada movimento do prá lá e pra cá da língua, do dente que mordia o lábio, e ela que sempre pensou, quando via sorrir de longe
"Aiii, se esse bicho morde...!",
não queria parar pra não ter que escutar,
" boa noite! me deixa teu email, amanhã saio cedo".
Ela viu a porta abrir, e como o um sorriso que se fecha, foi embora.
Entrou no carro não acreditando, que tinha chego assim, tão perto de cada ranhura, de cada movimento, de cada vez que ria e deixava a mostra a gengiva, detalhe assim que ninguém pensa em reparar, só você mesmo quando tudo já parece ser bonito.
Pegou a avenida, jurou que não ía esquecer mais daquele beijo, daquela boca, do dente mordendo o canto do lábio, do desejo de ficar, ou ir junto, não podia deixar escapar ali, olhou pro último andar e desejou boa noite, acompanhado de um sorriso choroso de felicidade.
Até mais! Disse, o meu desejo é o teu desejo,
isso não é um ponto final.
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